O Cão



Pedro Emmanuel

Lentamente rastejo. Me contorço e me esfrego ao chão. Minhas roupas, rasgadas, pedem arrego; elas, como eu, já não aguentam mais o atrito dos asfaltos de São Paulo. Lambendo a bota e latindo como um cão. Isso, um cão. Como aquele cachorro louco, de agosto, que nem toma os dos outros e nem dá aos que lhe pedem. Mendigando. Sujo. E é agosto, ainda por cima. 

Poderia Deus errar? Poderia um pintor pecar em sua obra primordial? Pois é nesse dilema que me encontro. Entre o cutelo e o osso, estão minhas certezas; que por sinal, são tantas quantas posso contar nas mãos. Pra onde foram minhas convicções? Pra onde foi aquele garoto idealista, romântico e com a vontade de mudar o mundo? Vontade dá e passa. Não era vontade;  o desejo incandescente de um poeta à mercê de suas paixões, nunca passa. Porém agora me encontro às traças. Abandonado pelo criador, como “A Criatura” de Mary Shelley. 


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